Sobre Precificação de Software e Segmentação (Tradução: Camelos e Patinhos de Borracha)
Esta é uma tradução livre do post original “Camels and Rubber Duckies” de Joel Spolsky, co-fundador da Trello e da Fog Creek Software, e CEO do StackOverflow. Todas as piadas que não faziam sentido em português foram mantidas, assim como todas as referências regionais e valores em dólares.
Você acaba de lançar o seu mais recente software organizador de fotos. De alguma forma que será deixada como exercício para o leitor, você conseguiu fazer com que as pessoas soubessem dele. Talvez você tenha algum blog popular ou algo do tipo. Talvez o Walt Mossberg tenha escrito uma resenha incrível no Wall Street Journal.
Uma das maiores dúvidas que você terá agora é “quanto devo cobrar pelo meu software”? Quando você pergunta aos especialistas, eles não parecem saber. Precificação é um mistério profundo e sombrio, eles lhe dirão.
O maior erro que uma empresa de software pode cometer é cobrar muito pouco, então eles não têm lucro o suficiente e precisam fechar as portas. Um erro ainda maior, sim, maior do que o maior erro, é cobrar muito, e então eles não têm clientes o suficiente e têm de fechar as portas. Fechar as portas não é bom porque todo mundo perde o emprego e você precisa ir trabalhar como atendente no Wal-Mart, ganhando salário mínimo e vestindo uniforme de poliéster o dia inteiro.
Então, se você gosta de uniformes de algodão, é melhor você entender isso direito.
A resposta é realmente complicada. Eu vou começar com um pouco de teoria econômica, então eu vou destruir essa teoria e, quando eu terminar, você saberá muito mais sobre precificação e ainda não saberá o quanto cobrar pelo seu software. Mas essa é a natureza da precificação. Se você não se interessar em ler isso, cobre $0.05 pelo seu software, a menos que ele faça rastreio de bugs, nesse caso, cobre $30,000,000 por ele.
Agora, onde eu estava?
Um Pouco de Teoria Econômica
Imagine, por um momento, que o seu software custe $199. Por que $199? Bem, porque eu preciso começar de algum lugar. Vamos testar outros números logo, logo. Por enquanto, imagine que você cobre $199 e que isso te traz 250 clientes.
Deixe eu desenhar isso:
Esse pequeno gráfico que eu fiz significa que se você cobrar $199, 250 pessoas irão comprar o seu software. Como você pode ver, economistas são pessoas muito estranhas e eles gostam de colocar a quantidade vendida no eixo X e o preço no eixo Y: “Se 250 pessoas compraram o seu software, isso deve significar que você cobrou $199!”.
O que aconteceria se você aumentasse o preço para $249?
Algumas pessoas que estavam dispostas a pagar $199 podem achar que $249 é muito, então elas vão desistir.
Obviamente, pessoas que não comprariam sequer por $199, certamente não vão pagar por um preço acima disso.
Se 250 pessoas compraram por $199, nós devemos assumir que menos de 250 pessoas irão comprar por $249. Vamos supor, hmmm, 200 pessoas:
E se nós cobrássemos menos? Digamos, $149? Bem, todos que comprariam ele por $199 certamente o comprariam por $149, e provavelmente até mais pessoas que pensariam que $149 é razoável, então digamos que poderíamos vender 325 cópias a $149:
E assim por diante:
De fato, ao invés de mostrar alguns pontos discretos aqui, vamos desenhar uma curva completa que contém todos esses pontos e, já que estou mexendo nisso, vou consertar a escala do eixo X:
Agora você pode me dizer qualquer preço entre $50 e $400 e eu te direi quantas pessoas comprariam o seu software naquele preço. O que temos aqui é a clássica curva de demanda, e a curva de demanda é sempre descendente porque, quanto mais você cobrar, menos pessoas irão comprar o seu software.
Esses números não são reais, é claro. A única coisa que eu estou te pedindo até agora é que você acredite que a curva de demanda é descendente.
(Se ainda estiver te incomodando o fato de eu ter colocado a quantidade no eixo X e o preço no eixo Y quando a quantidade é claramente dada em função do preço e não o contrário, junte-se a Augustin Cournot. Provavelmente ele já tem um blog.)
Então, quanto você deve cobrar?
“Hmmm, $50, porque daí eu venderei muito!”
Não, não, não! Você não está tentando maximizar unidades, você está tentando maximizar o lucro!
Vamos calcular o lucro:
Assuma que cada unidade do software que você venda custe a você $35 adicionais.
Talvez tenha custado a você $250,000 para desenvolver o software em primeiro lugar, mas isso é custo perdido. Nós não ligamos mais pra isso, porque os $250,000 serão os mesmos quer você venda 1000 ou 0 unidades. Perdido. Dê um beijo de adeus. Coloque o preço que você quiser, os $250,000 se foram e, portanto, são irrelevantes.
Neste momento tudo o que nos interessa é o custo adicional de vender cada unidade. Isso pode incluir envio, suporte técnico, tarifas bancárias, duplicação de CD, etc; Eu serei bem vago aqui e chutarei $35 como custo adicional.
Agora nós podemos meter a mão no Excel:
Aqui está como ler essa planilha: cada linha é um cenário. Linha 3: Se nós cobrássemos $399, então nós venderíamos 12 cópias, tendo $364 de lucro por cópia, num lucro total de $4,368.
AGORA ESTAMOS CHEGANDO EM ALGUM LUGAR!
Isso é muito legal. Acho que estamos prestes a resolver o problema de quanto cobrar pelo software. ESTOU TÃO ANIMADO!
A razão por eu estar tão animado é que parece que se você desenhar o preço versus o lucro, você tem então uma bela curva com uma grande corcova no meio! E todos nós sabemos o que corcovas significam! Corcovas significam máximo local. Ou camelos. Mas aqui elas significam máximo local!
Neste gráfico o dado real é mostrado como pequenos losangos azuis, e eu pedi ao Excel para desenhar uma bela linha de tendência polinomial por cima. Então tudo o que eu preciso fazer agora é desenhar uma linha para baixo, a partir do pico da corcova, para encontrar o preço que eu devo cobrar para obter o maior montante de lucro:
“O frabjous day! Callooh! Callay!”, eu digo. Nós descobrimos o preço ideal, $220, e isso é quanto você deve cobrar pelo seu software. Obrigado pelo seu tempo.
Aham.
Obrigado pelo seu tempo! Nada para ver aqui. Continue.
Você não está indo embora.
Entendo.
Alguns dos membros mais observadores da minha audiência detectaram através da cuidadosa análise da barra de rolagem do browser que eu posso ter algo mais a dizer além de “$220”.
Bem, talvez. Tem apenas uma coisinha que eu deixei solta que eu posso amarrar agora, se você estiver disposto. Ok? OK!
Veja, colocando o preço a $220, nós conseguimos vender, digamos, 233 cópias do software, obtendo um lucro total de $43,105, o que está muito bom e muito bem, mas tem algo me incomodando: todas aquelas pessoas que estavam dispostas a pagar mais, como aquelas 12 bondosas almas que teriam pago $399 e, apesar disso, estamos cobrando apenas $220, como todos os outros.
A diferença entre $399 e $220, no caso, $179, é chamada excedente do consumidor. É o valor extra que todos aqueles clientes ricos economizaram na compra e que eles teriam ficado perfeitamente felizes sem.
É como se você estivesse pronto para comprar aquele novo suéter de lã e você pensou que ia custar uns $70, que era um preço justo, e então você foi até a Banana Republic e ele estava em promoção por apenas $50! Agora você tem $20 sobrando que você teria ficado completamente feliz em dar para os Republicanos da Banana!
Yipes!
Isso incomoda bons capitalistas. Caramba, se você estava disposto a ficar sem esse dinheiro, bem, então dê ele pra mim! Eu posso fazer bom uso dele comprando uma SUV, um apartamento ou iate ou alguma daquelas coisas que os capitalistas compram!
No jargão dos economistas, os capitalistas querem capturar o excedente do consumidor.
Vamos fazer isso. Ao invés de cobrar $220, vamos perguntar a cada um dos nossos clientes se eles são ricos ou pobres. Se eles disserem que são ricos, vamos cobrar $349. Se eles disserem que são pobres, vamos cobrar $220.
Agora, quanto vamos lucrar? De volta ao Excel:
Perceba as quantidades: ainda estamos vendendo as mesmas 233 cópias, mas os 42 clientes mais ricos, que estavam felizes em gastar $349 ou mais, estão sendo compelidos a pagar $349. E nosso lucro simplesmente subiu! De $43K para por volta de $48K! NICE!
Capture pra mim mais desse negócio de excedente do consumidor!
Mas espere, isso não é tudo. Depois de vender todas aquelas 233 cópias, eu ainda me sinto meio mal a respeito das pessoas que só estavam dispostas a pagar $99. Afinal de contas, se eu puder vender mais algumas cópias para esses caras a $99, eu ainda estaria fazendo algum dinheiro, uma vez que meu custo marginal é só $35.
E se eu ligasse para todos os clientes que disseram “não, obrigado” aos $220, e oferecesse a eles o software a $99?
A $99, nós temos 450 clientes em potencial, mas não se esqueça dos 233 que já pagaram o preço cheio, nos deixando com 217 clientes a mais que não estavam dispostos a pagar o preço cheio:
Babymosesinabasket, acho que acabamos de fazer $62K de lucro! No final, vinte mil contos a mais, que já percorrem um looongo caminho no pagamento daquele barco de pesca que você está de olho. Tudo através do poder da segmentação: separar os seus clientes em grupos diferentes de acordo com o quanto eles estão dispostos a pagar, e extraindo o excedente do consumidor máximo de cada cliente.
Santos segmentos, Batman, quanto de dinheiro a mais poderíamos fazer se nós pedíssemos a cada cliente para nos dizer o máximo que eles estariam dispostos a pagar e então cobrá-los esse valor?
Surreal! Quase $80K! Isso é quase o dobro do lucro que nós teríamos praticando um só preço! Capturar o excedente do consumidor é claramente lucrativo. Até aquelas 350 pessoas chatas que só queriam me pagar $49 cada uma estão dando alguma contribuição ao lucro. Todos esses clientes estão felizes porque estamos perguntando a eles o quanto eles já estão dispostos a pagar, então não é como se estivéssemos nos aproveitando de ninguém. Meio que.
Aqui estão alguns exemplos de segmentação com os quais você provavelmente já é familiarizado:
- Desconto para idosos, uma vez que pessoas mais velhas tendem a estar vivendo com rendas fixas e estão dispostas a pagar menos do que adultos ainda ativos;
- Cinemas mais baratos nas manhãs (úteis somente para quem está desempregado);
- Tarifas de companhias aéreas bizarras, onde cada um parece estar pagando um preço diferente. O segredo das tarifas é que as pessoas viajando de business conseguem o reembolso das empresas, então elas não ligam para o preço das passagens, enquanto pessoas viajando a lazer estão gastando o próprio dinheiro e elas não viajam se for muito caro.
É claro que as companhias aéreas não podem simplesmente te perguntar se você está viajando a negócios, porque muito rapidamente todo mundo iria desconfiar e mentir para conseguir as tarifas mais baratas. Mas viajantes a negócio quase sempre viajam em dia de semana, e eles odeiam passar o final de semana longe de casa. Então as companhias aéreas instituíram a regra que, se você for voltar no sábado à noite, você provavelmente não está viajando a negócios, e então você consegue tarifas muito mais baratas.
Existem maneiras mais sutis de segmentar. Sabe aquele cupom do supermercado que você vê no jornal? Aquele que te dá 25 centavos de desconto na caixa do detergente Tide se você recortar ele e lembrar de trazê-lo ao supermercado? Bem, o problema com os cupons de supermercados é que há tanto trabalho manual envolvido em recortá-los, organizá-los, lembrar de trazer ao supermercado, e lembrar de escolher as marcas para as quais você tem os cupons, e assim por diante, que o resultado é que, se você está recortando cupons, é porque você provavelmente está ganhando $7.00 por hora.
Agora, se você está aposentado e vivendo do seguro social, $7 por hora parece bastante interessante, então você faz isso. Mas se você é um analista de ações na Merril Lynch ganhando $12,000,000 por ano para dizer coisas legais sobre empresas-lixo da Internet, trabalhar por $7 por hora é uma piada, e você não vai recortar cupons. Céus, em uma hora você pode publicar uma recomendação de “compra” de dez empresas-lixonas da Internet! Então cupons são uma maneira de empresas de bens de consumo cobrarem preços diferentes e efetivamente segmentar seu mercado em dois. Mail-in rebates são bem parecidos com cupons com alguns outros detalhes, como o fato de que eles revelam o seu endereço, de forma que podem enviar propagandas diretamente a você no futuro.
Existem outras maneiras de segmentar. Você pode comercializar seus produtos sob nomes de marcas diferentes (Old Navy vs. The Gap vs. Banana Republic) e esperar que as pessoas ricas convenientemente se lembrem de comprar suas roupas na Banana Republic enquanto as pessoas pobres vão à Old Navy. No caso de haver qualquer risco das pessoas se esquecerem e irem à loja errada, as lojas da Banana Republic estão convenientemente situadas nas vizinhanças de condomínios de $2,000,000 enquanto as da Old Navy estão perto da estação de trem pra qual você arrasta a sua bunda pobre de volta pra Nova Jersey depois de um dia de trabalho braçal.
No mundo do software, você pode simplesmente fazer uma versão “Professional” e outra versão chamada “Home” com algumas diferenças sem muito impacto, e esperar que os compradores empresariais (novamente, as pessoas que não estão gastando o próprio dinheiro) fiquem muito envergonhados ao pensar em utilizar o “Windows XP Home Edition” no trabalho e comprem a versão Pro. Home Edition no trabalho? Soa como ir trabalhar de pijama! Eca!
Dica rápida: se você vai tentar implementar a ideia de segmentação, você provavelmente se dará melhor oferecendo um desconto para certos usuários ao invés de cobrar por uma função premium. Ninguém gosta de se sentir lesado: as pessoas preferem comprar um produto de $199 por $99 do que o mesmo produto de $59 por $79. Teoricamente, as pessoas deveriam ser racionais. $79 é menos que $99. Na prática, elas odeiam a sensação de que alguém está levando vantagem em cima delas. Elas preferem muito mais sentir que estão tendo um desconto do que sentir que estão sendo cobradas a mais.
DE QUALQUER FORMA.
Essa foi a parte fácil.
A parte difícil é que tudo que eu te falei até agora é meio que errado.
Fazendo meu caminho inverso: esse negócio de segmentação? Isso deixa as pessoas p*#@$ da vida! As pessoas querem sentir que estão pagando um preço justo. Elas não querem pensar que estão pagando a mais só porque elas não foram espertas o suficiente para encontrar o código mágico do cupom. A indústria da aviação ficou muito, muito boa em segmentar e acabou, literalmente, cobrando um preço diferente para cada indivíduo no avião. Como resultado, a maioria das pessoas sentiu como se não tivesse feito um bom negócio e criou antipatia em relação às linhas aéreas. Quando uma nova alternativa surgiu na forma de linhas de baixo custo (Southwest, JetBlue, etc), os clientes não possuíam qualquer tipo de lealdade às linhas aéreas que tentaram arrancar dinheiro dos seus bolsos por todos aqueles anos.
E Deus te ajude se algum blogueiro descobrir que a sua impressora premium é idêntica à impressora de baixo custo com o inibidor de velocidade desativado.
Então, enquanto a segmentação pode ser uma ferramenta útil para “capturar o excedente do consumidor”, ela pode implicar em impactos bastante negativos para a imagem do seu produto a longo prazo. Muitos fabricantes de software pequenos viram seus lucros subirem e a quantidade de clientes reclamantes diminuir bastante quando eliminaram cupons, descontos, promoções, múltiplas versões e camadas. De alguma forma, parece que os clientes preferem pagar $100 quando todo mundo está pagando $100 do que pagar $79 se eles sabem que alguém comprou por $78. Raios, a GM criou uma companhia de automóveis inteira, a Saturn, baseada no princípio de que o preço ofertado é justo e que você não precisa pechinchar.
Mesmo assumindo que você está disposto a lidar com essa erosão da boa vontade dos clientes a longo prazo causada pela discriminação gritante de preços, segmentação não é tão fácil de se implantar. Primeiro, assim que seus clientes descobrirem o que você está fazendo, eles começarão a mentir sobre quem são:
- Viajantes frequentes a negócio reorganizaram suas passagens para incluir duas estadias aos sábados. Por exemplo, um consultor que mora em Pittsburg e trabalhando em Seattle de segunda a quinta compraria uma viagem de duas semanas de Pittsburg para Seattle e então uma viagem de fim de semana para casa no meio desse período. Ambas as viagens incluem sábados e seriam as mesmas viagens feitas de qualquer forma, só que muito mais baratas;
- Tem um desconto para estudante? Todo mundo que é vagamente associado a qualquer coisa vagamente associada a uma escola vai começar a usar.
- Se os seus clientes falarem entre si, vão descobrir sobre o preço que você está oferecendo a outras pessoas e você se encontrará na posição de ter que igualar o menor dos preços para todo mundo. Especialmente as grandes empresas compradoras que, teoricamente, teriam a “maior boa vontade para pagar”, uma vez que elas representam os clientes ricos. Corporações possuem departamentos de compra que trabalham em tempo integral e cujo o único propósito é baixar os preços das compras. Essas pessoas vão a conferências aprender a obter o melhor preço. Elas praticam dizer “Não. Mais barato.” o dia inteiro na frente do espelho. O seu carinha de vendas não tem qualquer chance.
Existem duas formas de segmentação que empresas de software levemente-muito-espertas empregam que não são grandes ideias:
Má ideia #1: Licenças Ilimitadas
O oposto de segmentação, na verdade. Eu tenho um certo concorrente que faz isso: eles cobram pequenos clientes por usuário mas existe uma licença “ilimitada” por um preço fixo. Isso é meio louco, porque você está dando o maior desconto justamente para os maiores clientes, aqueles que estão dispostos a pagar mais dinheiro. Você realmente quer a IBM comprando seu software para os seus 400,000 empregados e te pagando $2,000? Hein?
Assim que você tem um preço “ilimitado”, você está instantaneamente dando um presente de excedente do consumidor gigante justamente para os clientes menos sensíveis ao preço, aqueles que deveriam ser as baleias de dinheiro do seu negócio.
Má ideia #2: Quanto dinheiro você tem? Precificando.
Este é o tipo utilizado pelas startups de software fundadas por ex-vendedores da Oracle onde o preço não pode ser encontrado em nenhum lugar do site. Não importa o quanto você procure pelo preço, tudo o que você encontrará é um formulário para informar seu nome, endereço, telefone e fax – por alguma razão, não que alguém algum dia lhe enviará um fax.
É bastante óbvio que o plano aqui é ter algum vendedor entrando em contato com você para descobrir o quanto de dinheiro você tem e então te cobrar aquele valor. Segmentação perfeita!
Isso também não funciona muito bem. Primeiro, os clientes menos ricos simplesmente não deixarão o contato. Eles vão assumir que, se o preço não está divulgado, eles não vão poder arcar com ele. Segundo, as pessoas que não gostam de vendedores enchendo o saco vão simplesmente ignorar.
Pior, assim que você envia uma mensagem de que seu preço é negociável, você vai acabar revertendo a segmentação. Aqui está o porquê: as grandes empresas para as quais você vende, aquelas que estariam dispostas a te dar mais dinheiro, são incrivelmente sofisticadas a respeito das compras. Elas vão perceber que o seu carinha ou mulherzinha de vendas está trabalhando por comissão e então eles vão descobrir que eles possuem metas mensais ou trimestrais, e então eles vão saber que ambos, o vendedor e a empresa, estarão desesperados para fazer aquela venda no final do trimestre – o vendedor para receber a comissão e a empresa para evitar o tiro no joelho dos investidores.
Então as grandes empresas esperarão até o último dia do trimestre e vão acabar recebendo um preço ridículo que de alguma forma envolverá alguns magos da contabilidade para que a empresa possa anotar nos seus livros um montante de receitas que eles nunca teriam na verdade.
Então não trabalhe com licenças ilimitadas e não tente descobrir o preço durante a negociação.
MAS ESPERE!
Você quer realmente maximizar seus lucros? Eu passei batido por uma coisa. Você não necessariamente se interessa em maximizar seus lucros este mês. Você se interessa em maximizar todos os seus lucros, com o passar do tempo e no futuro. Tecnicamente você quer maximizar o VLP do fluxo de todos os seus futuros lucros – sem nunca deixar suas reservas em dinheiro caírem abaixo de zero.
Pequeno Desvio: O que é VLP?
O que vale mais: $100 hoje ou $100 daqui um ano?
Obviamente $100 hoje, porque você pode investir em, digamos, renda fixa, e no final do ano ter, tipo, $102.25.
Então quando você compara o valor de $100 em um ano com o valor de $100 hoje, você precisa descontar dos $100 alguma taxa de juro. Se a taxa de juro é 2.25%, por exemplo, aqueles $100 no futuro precisam ser descontados para $97.80, que é chamado de valor líquido presente (VLP) dos $100 um ano no futuro.
Vá ainda mais para o futuro e você precisará descontar ainda mais. $100 em cinco anos, nas taxas de juro de hoje, valem somente $84 hoje. $84 é o valor líquido presente de $100 em cinco anos.
O que você prefere ganhar?
OPÇÃO 1: $5000, $6000, $7000 durante os próximos três anos
OPÇÃO 2: $4000, $6000, $10000 durante os próximos três anos
A opção 2 parece um melhor negócio, mesmo depois de descontados os ganhos. Se você escolher a segunda opção, seria como investir $1000 no primeiro ano e ganhar $3000 dois anos depois, o que é um investimento muito respeitável!
A razão pela qual eu mencionei isso foi porque o software é precificado de três formas: livre, barato e caro.
- Livre. Open Source, etc. Irrelevante para a discussão atual. Nada para ver aqui. Continue.
- Barato. $10 – $1000, vendido para uma quantidade muito grande de pessoas a um preço baixo sem uma força de vendas. A maioria dos softwares para pessoas físicas e pequenas empresas se encaixa nessa categoria.
- Caro. $75,000 – $1,000,000, vendido para algumas empresas ricas utilizando uma equipe de vendedores espertos que fazem seis meses de PowerPoint só para conseguir uma maldita venda. O modelo da Oracle.
Todos os três métodos funcionam bem.
Percebeu a lacuna? Não existe software precificado entre $1000 e $75,000. Eu vou te dizer o porquê. No minuto que você cobra mais de $1000, você precisa de assinaturas empresariais sérias. Você precisa de um item na lista do budget do cliente. Você precisa da aprovação de gerentes de compras e CEOs, lances competitivos e papelada. Então você precisa enviar um vendedor até o cliente para fazer uma apresentação no PowerPoint, com a sua tarifa aérea, taxa do campo de golfe, e filmes pornôs de $19.95 no Ritz Carlton. E com tudo isso, o custo de fazer uma única venda de sucesso irá para uma média de $50,000. Se você está enviando vendedores a clientes e cobrando menos de $75,000, você está perdendo dinheiro.
A piada disso é, as grandes empresas se protegem tão bem do risco de comprar algo muito caro que elas acabam pressionando os preços pra cima, de $1000 a $75000, os quais são gastos na sua maior parte para ultrapassar todos os obstáculos que elas colocaram para garantir que nenhuma compra será feita da forma errada.
Agora, uma olhada rápida no site da Fog Creek revela que eu estou firmemente alocado na opção 2. Por que? Vender software a um preço barato significa que eu posso conseguir milhares de clientes rapidamente, alguns pequenos, alguns grandes. E todos esses clientes estarão lá utilizando o meu software e recomendando ele para seus amigos. Quando esses clientes crescerem, eles comprarão mais licenças.
Quando pessoas nesses clientes mudarem para novas empresas, eles recomendarão o meu software para essas empresas. Estou definitivamente disposto a aceitar um preço menor agora em troca de criar raízes duradouras. Eu vejo o preço baixo do FogBugz como sendo um investimento em propaganda que eu espero dar um retorno de muitas vezes a longo prazo. Até agora está funcionando muito bem: As vendas do FogBugz cresceram mais de 100% em três anos sem propaganda, baseadas somente no boca-a-boca e em clientes já existentes comprando mais licenças.
Em comparação, veja a BEA. Empresa grande. Preço grande. Só o preço já significa que quase ninguém tem experiência com o produto deles. Ninguém sai da faculdade e abre uma empresa pontocom utilizando tecnologia da BEA, porque eles não podiam bancar BEA na faculdade. Um monte de outras boas tecnologias afundaram com seus grandes preços: O WebObjects da Apple foi irrelevante como servidor de aplicação porque ele custava $50,000. Quem se importa com o quão bom ele era? Ninguém nunca tinha usado! Qualquer coisa feita pela Rational. A única forma desses produtos chegarem até às mãos dos usuários era com um caro discurso de vendas direto. A esses preços, o discurso de vendas é feito para o executivo, não para o técnico.
Os técnicos podem muito bem resistir ativamente a más tecnologias com bons discursos de vendas que os executivos empurram pelas suas goelas abaixo. Nós temos vários clientes do FogBugz que possuem caríssimos produtos da Remedi, Rational ou da Mercury parados na prateleira após investimentos de muito mais que $100,000, porque o software simplesmente não é bom o suficiente para ser utilizado. Então eles compram uns dois mil dólares de FogBugz e esse é o produto que eles usam de fato.
O vendedor da Rational está rindo de mim, porque eu tenho $2000 no banco e ele tem $100,000. Mas eu tenho muito mais clientes do que ele, e eles estão todos utilizando o meu produto, e evangelizando, e espalhando, enquanto os clientes da Rational (a) não usam o software ou (b) usam e não toleram. Mas ele ainda está rindo de mim do seu iate de 40 pés enquanto eu brinco com patinhos de borracha na banheira. Como eu disse, todos os três métodos funcionam bem. Mas preços mais baixos são como comprar propaganda, de forma que são um investimento para o futuro.
OK.
Onde eu estava?
Ah, sim, antes de eu soltar a língua, eu estava desmontando a lógica de derivar a curva de demanda. Quando eu te expliquei toda aquela coisa da curva de demanda, você provavelmente estava se perguntado: “Como que eu sei o quanto que as pessoas estão dispostas a pagar?”
Você está certo.
Isso é um problema.
Você não tem como descobrir qual é a curva de demanda.
Você pode ter grupos de pesquisa e perguntar às pessoas, mas elas vão mentir. Algumas vão mentir para se gabar da sua generosidade e fortuna. “Caramba, claro, eu compraria uma calça jeans de $400 em Nova Iorque em um minuto!”. Outras vão mentir porque elas realmente querem o seu produto e acham que você vai decidir cobrar menos se elas falarem um número baixo. “Software para blog? Hmmm… eu pagaria, no máximo, 38 centavos”.
Então você pergunta a outro grupo de pesquisa no dia seguinte e, dessa vez, o primeiro homem a falar tem uma queda por uma bela moça que também está no grupo, e ele vai querer impressioná-la, e então ele começará a falar sobre o quanto o carro dele custa e como todos estão pensando em números grandes. E no dia seguinte você serve Starbucks durante uma pausa e todos começam a conversar sobre o absurdo de pagar $4 numa xícara de café, e ficam todos muito frugais quando você começa a perguntar sobre a disposição de pagar pelo software.
Então você finalmente consegue que o grupo de pesquisa concorde que o seu software vale $25 por mês, e então você pergunta a eles o quanto eles pagariam por uma licença vitalícia e algumas pessoas simplesmente não irão pagar um centavo a mais do que $100. As pessoas definitivamente não sabem contar.
Ou você pergunta a alguns projetistas de aviões o quanto eles pagariam e eles dizem que $99 seria o preço máximo, mesmo que os softwares para projetar aviões que eles usam custem na ordem de $3000 por mês sem sequer se darem conta disso, porque é outra pessoa quem está pagando.
Então de um dia pro outro você obtém repostas radicalmente, eu quero dizer radicalmente, diferentes quando você pergunta às pessoas quanto elas estariam dispostas a pagar. A verdade é, a única forma de descobrir o quanto alguém pagaria por algo é colocar esse algo à venda e ver quantas pessoas de fato o compram.
Então você pode começar a mexer nos preços para medir a sensibilidade ao preço e tentar derivar a curva de demanda. Mas até você conseguir algo como 1.000.000 de clientes e você estar absolutamente certo de que o cliente A não vai descobrir que você está oferecendo o mesmo produto a um preço mais baixo para o cliente B, você não conseguirá respostas com significado estatístico.
Existe uma forte e real tendência em assumir que experimentos feitos em uma grande parcela da população deveriam funcionar da mesma forma como as experiências de química eram feitas no laboratório da escola, mas todo mundo que algum dia tentou fazer experiências com pessoas sabe que você obterá resultados extremamente variáveis que simplesmente não são reproduzíveis e a única forma de você ter confiança nos seus resultados é evitar fazer o mesmo experimento duas vezes.
E, de fato, você não tem nem como ter certeza de que a curva de demanda é uma descendente.
A única razão pela qual assumimos de que a curva de demanda era descendente foi porque assumimos coisas como “se Freddy está disposto a comprar um par de tênis por $130, com certeza ele estaria disposto a comprar esse mesmo par de tênis por $20.” Certo? Há! Não se Freddy for um adolescente americano. Seria como, hm, pena de morte? Calçar tênis? Que custam só $20? Na escola?
Eu não estou brincando aqui: preços enviam sinais. Os cinemas na minha cidade custam $11, eu acho. Um roubo. Havia um cinema que custava $3. Alguém ia lá? ACHO QUE NÃO. Obviamente era só um lixão para filmes ruins. Alguém está agora no fundo do East River calçando tênis de $20 porque ele se atreveu a dizer ao consumidor quais filmes a indústria achava ruins.
Veja você, as pessoas tendem a acreditar que elas recebem pelo que elas pagam. A última vez que eu precisei de muito espaço no disco rígido eu comprei uns discos rígidos baratos, teoricamente projetados pelo próprio Sr. Porsche, que custaram por volta de $1 por gigabyte. Em seis meses, todos os quatro falharam. Semana passada eu os substituí por um disco rígido SCSI Seagate Cheetah, que custaram por volta de $4 por gigabyte, porque eu tenho alguns deles desde que eu iniciei o Fog Creek quatro anos atrás sem nenhum problema. Ponto para o “você recebe pelo que você paga”.
Existem diversos exemplos onde você de fato recebe pelo que você paga, e o consumidor desinformado geralmente irá inferir que quanto mais caro o produto for, melhor ele será. Vai comprar uma máquina de café? Você tem duas opções. Vá até a biblioteca e encontre a edição correta do Consumer Reports ou vá à Williams-Sonoma e compre a máquina de café mais cara que eles tiverem.
Quando você define um preço, você está enviando uma mensagem. Se o software dos seus concorrentes está no intervalo de preço entre $100 até mais ou menos $500, e você decide “caramba, meu produto está no meio do caminho, então eu vou vendê-lo por $300”, bem, que mensagem você acha que está passando para os seus clientes? Você está dizendo a eles que o seu software é “meh”. Eu tenho uma ideia melhor: cobre $1,350. Agora seus clientes irão pensar: “Nossa, cara, esse negócio deve ser do caralh# já que estão cobrando uma grana preta por ele!”
E então eles não comprarão porque o limite do AMEX empresarial é $500.
Miséria.
Quanto mais você aprende sobre precificação, menos você parece saber.
Eu venho falando sobre esse tópico por bem mais de 5000 palavras e eu não acho que estamos chegando a lugar nenhum, eu e você.
Alguns dias parece que seria mais simples ser um taxista, com os preços definidos na legislação. Ou vendedor de açúcar. Velho e bom açúcar. Yeap. Isso sim seria doce.
Siga meu conselho, oferecido umas 20 páginas atrás: cobre $0.05 pelo seu software. A menos que ele faça rastreio de bugs, caso no qual o preço correto é $30,000,000. Obrigado pelo seu tempo e eu peço desculpas por lhe deixar ainda menos capaz de definir o preço do seu software quando você começou a ler isso.